terça-feira, 7 de outubro de 2008

Orpheu


Orpheu, nome mitológico onde radica o termo orfismo, era no panorama nacional, uma revista trimestral de literatura, destinada a Portugal e ao Brasil e de que veio a lume o primeiro número, em 1915, correspondente a Janeiro, Fevereiro e Março. As 83 páginas da revista, impressa em excelente papel e tipo elegante, abriam por uma «introdução» de Luís de Montalvor, em que se pretendia definir os intuitos da obra a que meteu ombros um grupo de jovens que com frequência se reuniam em alguns cafés da baixa lisboeta.
Segundo Montalvor, Orfeu «é um exílio de temperamentos de arte que a querem como a um segredo ou tormento» e a pretensão dos seus fundadores «é formar, em grupo ou ideia, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte, que sobre este princípio aristocrático tenham em Orfeu o seu ideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecermos».
Quando a guerra de 1914-18 começou, reuniram-se os factores de um movimento estético pós-simbolista em Lisboa. Aí se conheceram, entre outros, Fernando Pessoa, cuja adolescência se formara na África do Sul, dentro da cultura inglesa; Mário de Sá Carneiro, que entre 1913-16 passou grande parte do tempo em Paris; Almada Negreiros e Santa Rita Pintor, que traziam de Paris as novidades literárias e sobretudo plásticas do futurismo e correntes afins. A estas personalidades do grupo atribuiu a opinião pública sinais de degenerescência, mas hoje é fácil reconhecer que as suas atitudes correspondiam a um sentimento geral de crise latente. Particularidades de formação e temperamento, relacionáveis com a instabilidade social, alhearam os artistas, tanto da ideologia republicana como das reacções críticas que ela despertara.
Mário de Sá Carneiro pertence à geração do Orpheu, a revista que, idealizada no Brasil por Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho, pretendia comunicar a nova mensagem europeia, preocupada apenas com a beleza exprimível pela poesia, inspirada no simbolismo de Verlaine, Mallarmé e Camilo Pessanha, no futurismo de Marinetti, Picasso e Walt Whitman, no super-realismo de André Breton. Preconizava a arte pela arte mas ao mesmo tempo a descida a busca ansiosa do «eu» e a fixação da agitada idade moderna.
Em 1914 os jovens modernistas, encetaram seu o projecto que Luís da Silva Ramos (Luís de Montalvor) acabava de trazer do Brasil: o lançamento de uma revista luso-brasileira Orpheu. Dessa revista saíram efectivamente dois números (os únicos publicados) em 1915; incluíam colaboração de Montalvor, Pessoa, Sá Carneiro, Almada, Cortes Rodrigues, Alfredo Pedro Guisado e Raul Leal; dos brasileiros Ronald de Carvalho (que, regressado do Brasil, serviria de traço de união entre o Modernismo brasileiro e português) e Eduardo Guimarães; de Ângelo de Lima, internado no manicómio; de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa. A revista vinha realizar uma aspiração comum dos jovens poetas que se reuniam à volta de Fernando Pessoa no Irmãos Unidos. No Orpheu poderiam publicar as suas peças de escândalo: poesias sem metro, celebrando roldanas e polias, ou revelando as profundezas do subconsciente, sem passar pelo crivo da razão. O primeiro número, saído em Abril de 1915, esgotou-se em três semanas, por uma espécie de sucesso negativo: comparavam-no para se horrorizarem com o seu conteúdo e se encolerizarem com os seus colaboradores. Um destes, Armando Cortes Rodrigues, conta que eram apontados a dedo nas ruas, olhados com ironia e julgados loucos, para quem se reclamava, com urgência, o hospício de Rilhafoles.
Um segundo número sairia em Julho do mesmo ano, com conteúdos bem mais futuristas; um terceiro número foi organizado e mesmo impresso parcialmente, mas não se publicou. Era mais uma revista literária que morria à míngua de recursos. Não bastara o talento e o arrojo dos seus colaboradores para prolongar-lhe a vida; eram os financiamentos de Sá Carneiro (ou antes, de seu pai, que lhos mandava para Paris) que a sustentavam. Uma reviravolta nos negócios, a cessação da mesada, e fica no nascedouro o que viria a ser o Orpheu 3.

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