quinta-feira, 12 de junho de 2008

A 13 de Junho, tributo à alma estilhaçada e sem fronteiras



Fernando Pessoa nasceu em Lisboa em 13 de Junho de 1888 e morreu, só e doente, em 30 de Novembro de 1935. Foi sepultado no Cemitério dos Prazeres com o testemunho de cerca de 50 pessoas. No cinquentenário da sua morte foi transladado para o Mosteiro dos Jerónimos, a última morada concedida aos mais altos dignitários de Portugal, para junto daqueles que admirou: o sonhador e o martirizado, Vasco da Gama e Camões. «Mensagem» foi o livro da sua vida e o único que viu publicado em vida. A sua voz, impiedosamente denunciadora, e hoje tão actual, grita esta terra onde «tudo é nocturno e confuso», com «três espécies de Portugal, três espécies de português»: um começou com a nacionalidade, «é a forma e o fundo da nação, trabalha obscura e modestamente. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe». O outro «é o português que o não é», o que governa o país, «mas divorciado do país que governa. Contra a sua vontade é estúpido». O terceiro é o «português que fez as Descobertas, o que sonhou, mas que se foi em Alcácer Quibir», deixando, porém, alguns parentes que intentam, ainda no sonho - são os portugueses que «projectam a fé», que procuram ideais.
Deixou-nos um acervo genial de palavras, multiplicadas pela sua heteronímia, marca de um indivíduo que não coube num só corpo nem numa só alma. A escrita de «Mensagem» foi iniciada a 21 de Julho de 1913, finalizada em 26 de Março de 1934 e posta à venda simbolicamente, em 1 de Dezembro desse ano.

Compreendida nos Conteúdos Programáticos do 12º ano nas escolas portuguesas, «Mensagem» foi há pouco reeditada, numa edição fac-similada do original, pela vetusta Parceria António Maria Pereira. A abrir, pelo cunho de Pessoa, a dedicatória com um abraço ao seu amigo António Maria Pereira. Para além desta emoção que nos proporciona a Parceria, há ainda outra: o magnífico «As Mensagens da Mensagem» de Nuno Hipólito, um livro belíssimo que anota e comenta, passo a passo os versos daquela obra maior que fala de nós, portugueses, místicos, sebásticos, doridos, indagadores e esperançosos.

«Tentei fazer um livro de simples leitura, mas que agradasse também aos mais eruditos e estudiosos de Pessoa. O objectivo era ter um livro que pudesse servir de consulta para os estudantes, bem como de referência para os que estudam o poeta», escreve Nuno Hipólito em Nota Prévia. A obra «As Mensagens da Mensagem (O Desvendar dos Mistérios)» é, até à data, a única publicada sobre a Mensagem de Fernando Pessoa que inclui análise estilística, análise de conteúdo estrofe a estrofe e análise contextual das implicações esotéricas, numerológicas e cabalísticas de cada um dos poemas», refere Paulo Pereira, o prefaciador, considerando, ainda ser esta obra «um objecto bibliográfico incontornável».

A acompanhar este trabalho estupendo e essencial a todos os portugueses, que aqui aplaudo, pode o leitor contar, também, com um CD com o texto integral.

«Eu nunca fiz senão sonhar»«Mensagem» é, também, a voz de um povo, uma raça que partiu em busca de uma Índia, que a tomou e perdeu. Porém, “todas as naus são de sonho logo que esteja em nós o poder de as sonhar”, ou “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”. Expõe-se a dor, a nostalgia, a saudade, mas fomenta-se um devir com glória, com um olhar fito no mar, no horizonte, na esperança: “Sem a loucura que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?”.

É preciso que a chama ilumine o herói, fecunde a realidade e faça com que a vida valha a pena ser vivida. E dá-nos o seu exemplo: “Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: Navegar é preciso; viver não é preciso. Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que sou: viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma lenha desse fogo”.

«Eu nunca fiz senão sonhar», escreveu Bernardo Soares, semi-heterónimo de Pessoa. E a mensagem final de Pessoa é que Portugal tem de se elevar através de uma espiritualidade forte, capaz de subjugar todas as adversidades. É um repto para se cumprir.


Mensagem, Fernando Pessoa; edição fac-símilada de 1934, Parceria A.M. Pereira, Lisboa 2007

As Mensagens da Mensagem – O Desvendar dos Mistérios, Nuno Hipólito; Parceria A.M. Pereira, Lisboa 2007


© Teresa Sá Couto

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