Tímido. Reservado. Apenas nas fotografias. Na intimidade, Pessoa era uma pessoa diferente. Divertido e terno. Sempre surpreendente. 120 anos sobre o seu nascimento, a família e a sobrinha da enamorada, Ofélia, reavivam as memórias do poeta de Portugal
Ao morrer pediu os óculos. Não que pretendesse fintar a escuridão da agonia. Quis escrever. 'I know not what tomorrow will bring' [Não sei o que o futuro me trará]. Quando o Poeta nasceu, o céu dera-lhe o clarão do astro-rei na posição dos génios; Sol em Gémeos. Fernando António Nogueira Pessoa, geminiano, ascendente Escorpião, viu o Mundo às 15h20 de 13 de Junho de 1888, no quarto andar esquerdo da porta 4 do largo de São Carlos, Lisboa. Se o corpo fosse eterno como a sua obra, faria 120 anos no dia de Santo António, cuja especialidade é a de abençoar casamentos. A lenda com o fundador da revista ‘Orpheu’ não fez efeito. Nunca casou. 'Ele não queria, ao contrário da minha tia, que desejou bastante que tal acontecesse'. Graça Queiroz, 64 anos, secretária do presidente do INATEL, não esquece os suspiros da sua tia-avó, Ofélia, a senhora com quem Fernando Pessoa manteve, ao que se sabe, o único romance. 'A minha tia sempre me disse que tinha vivido um grande amor, e sentia um grande desgosto pela sua morte ter sido tão prematura'.
A amada faleceu em 1991, sem descendentes, num lar, viúva de um matrimónio onde a chama do amor nunca acendeu. Casara em 1938, três anos após a morte do seu mais que tudo, com Augusto Soares, figura do Teatro.
'Eu tinha treze anos quando a minha tia entregou-me uma caixa. Lá dentro estavam as cartas que o Fernando lhe enviara e recordações'. Em 1978, com o seu consentimento, Graça edita o que vive naquela caixa, pequena, que guarda afectos grandes. Missivas de amor. Amor adulto expresso em dialecto carinhoso pueril. 'Meu amorzinho, meu bebé querido, minha bonequinha, meu Íbis, meu ninho.' O Poeta mimava a namorada. Em diminutivos e com presentes. Um porta-retrato. A pulseira que, apesar de ter andado perdida, voltou ao destino. O cachimbo, mordido de tanta nicotina. A filha de Carlos Queiroz, grande amigo de Fernando Pessoa, recorda a senhora risonha, dotada de uma força de vontade admirável, uma mulher acelerada para a época. 'Mesmo contra a vontade da família ela decidiu procurar emprego'. Em boa hora. Foi no escritório Félix Valladas e Freitas, onde ambos trabalhavam, que a paixão irrompeu a 1 de Março de 1920. Ofélia tinha 19 anos e o Poeta, ciumento de franzir a testa a decotes, 31 anos. Namoravam às escondidas, já que nunca quis pedir autorização aos pais da jovem.
'Basta-me que eu te ame e que tu me ames. E não precisamos de nada mais'. Apenas precisava de descobrir o trajecto do eléctrico mais longo para que o idílio durasse mais tempo. 'O namoro intenso, de certa forma alegre, não foi apenas platónico.' Em um dos seus ataques de afecto ardente, Fernando Pessoa, na rua de São Bento, empurrou a sua querida para o vão de uma escada. Agarrou-a. Beijou-a. A 29 de Novembro desse ano chega a última carta. Deprimido, não consegue pensar numa existência a dois. Após nove anos, Carlos Queiroz mostrou à sobrinha a fotografia de Fernando Pessoa a beber no Abel Pereira da Fonseca. Ofélia achou piada. Pediu ao tio para que lhe arranjasse uma foto. O recado foi dado e Pessoa enviou-lhe uma igual com a célebre dedicatória: 'Fernando Pessoa em flagrante delitro.' O namoro reatou. 'Havia ocasiões em que Fernando Pessoa dizia-lhe que quem ali estava não era ele, mas um de os seus heterónimos'. Ofélia gostava de todos, menos de Álvaro Campos.
Previsão certeira. O poema 'Todas as Cartas de Amor são Ridículas', de Outubro de 1935, é da sua autoria. Muito antes, em 1930, o Poeta avisara-a que por ele esperavam outros mestres. Dá-se a separação, mas, Graça realça 'os dois sempre mantiveram contacto. Inclusive, tenho o telegrama de parabéns que enviou à minha tia no ano em que faleceu'. A coincidência da data em que viram a luz da vida é curiosa. Ofélia nasceu no dia a seguir ao amado, a 14 de Junho de 1900.
O ano de nascimento de Manuela Nogueira, filha de Henriqueta Madalena, irmã de Fernando Pessoa, é marcado por tragédias. Em 1925 morre a mãe do Poeta, a sobrinha e outros familiares. 'Em consequência de tantas mortes, fui com os meus pais viver para a casa do meu tio Fernando.' Na rua Coelho da Rocha, número 16, em Campo de Ourique. As lembranças que a escritora e discípula do mestre Lima de Freitas guarda do tio são espontâneas: 'Ele era uma pessoa muito divertida. Tinha um sentido de humor formidável'. À hora do almoço, Manuela ia à janela esperar que o tio chegasse. Quando ele aparecia, o ritual não falhava. Cumprimentava o candeeiro. Dava passos largos. Fingia tropeçar. 'A minha mãe ralhava-lhe. Advertia-o que as pessoas iriam pensar que ele endoidecera'. Não se importava. Ainda agravava a fama ao simular quedas pelas escadas. Passaram muitas décadas, mas a memória não apaga. Livros. Papéis. Inundavam a casa de jantar. O tio a ler. A escrever. No quarto. A arca onde os versos iam cabendo. Um passeio à Baixa lisboeta e uma ida à praia de São João do Estoril. 'O meu tio ficou vestido de fato e não descalçou os sapatos'. O único calçado na areia era o seu tio. Querido. Mentor de brincadeiras que ainda hoje sente o gosto. 'Pedia-me para eu lhe arranjar as unhas e lhe fazer a barba'. Em troca, o tio dava duas moedas, as suficientes para que a sobrinha fosse a correr comprar uma barra de chocolate. 'Ele adorava crianças!'
A notícia da morte chegou como uma bala seca no peito. 'Estranhámos que no dia do aniversário da minha mãe ele não tivesse aparecido na nossa casa de São João do Estoril'. O telegrama de parabéns recebido a 27 de Novembro não sossegou a irmã do Poeta. Para agravar a aflição, na véspera, o País tinha sido abalado por um ciclone que avariou as linhas telefónicas. Perante tal desespero 'o meu pai decidiu ir à procura do meu tio e foi para Lisboa'. Chegado à rua Coelho da Rocha, os vizinhos, familiares de Jorge de Sena, contaram-lhe que Fernando Pessoa se encontrava internado. As pernas do oficial do exército voaram até ao Hospital de São Luís. Depois de o ver ficou tranquilo. O cunhado aparentava sofrer de uma mal-estar fugaz. Manuela não se lembra de que maneira soube que o Fernando Pessoa já era cadáver, mas tem presente a tristeza que trouxe esse dia 30 de Novembro de 1935. Ainda hoje, com 83 anos, ao falar da perda do seu tio, nosso Poeta, os seus olhos alargam de emoção. Na sua sala só falta que ele entre e diga que os mortos sabem regressar. Retratos. Livros. Manuscritos. Objectos pessoais. Encarnam a sua presença.
Fernando Pessoa morreu de colite hepática no Hospital de São Luís, em Lisboa, a mesma unidade hospitalar onde Luís Miguel Rosa Dias, seu sobrinho e irmão de Manuela, exerce medicina. 'Lembro-me de algumas coisas, mas o que tenho mais em mente é de o meu tio ser uma pessoa divertidíssima'. Luís era uma criança. Pequena. Nascera a 1931. As imagens são escassas. Mas um tio da casta de Pessoa é capaz de desafiar o divã de um psicanalista. Entre meia dúzia de episódios, como o de receber presentes ao almoço, há um inesquecível. Despertara-lhe a atenção um garrafão de vinho e, por mera gulodice, cumpriu a curiosidade: 'Destapei-o e lambi a rolha'. O tio, de imediato, reagiu à sua cara de satisfação: 'Temos homem!' Nas fotografias, é verdade, mostra um ar sério, muito sério, carregado para a idade, mas Fernando Pessoa, grande, enorme, poeta, ensaísta, escritor, pensador, espiritual, um ser com várias vidas, era, garante Luís, uma criatura com magnificente sentido de humor. Em 1988, quando os seus restos mortais foram transladados do cemitério dos Prazeres para o Mosteiro dos Jerónimos, foi Luís quem representou a família no momento da urna ser retirada do jazigo. Contrariando uma notícia anunciada na altura, em que se mexericava que o corpo de Fernando Pessoa permanecia intacto, fica o testemunho: 'Eu estava presente com o elemento da agência funerária, e posso afirmar que o caixão não chegou a ser aberto'. Não se pode adivinhar qual teria sido a escolha de Fernando Pessoa, se o próprio pudesse eleger a sua morada final. Certamente o lugar onde repousa o corpo não seria a sua prioridade.
O corpo era, é o adorno da alma. O Estado Português quis enobrecê-lo e colocou-o a lado de Luís Vaz de Camões. 'É uma pena que Portugal só honre os mortos. É preciso morrer para se ter o devido valor.' Em vida, Fernando Pessoa, à parte de ter sido publicado em jornais e revistas, apenas viu editado, em 1934, 'Mensagem' e as colectâneas de poemas ingleses. Ainda o choque da sua perda estava quente nos corações dos familiares e amigos, Luís não esquece a promessa da sua mãe: enquanto a obra de um dos maiores poetas da Língua Portuguesa não obtivesse o mérito merecido, ela não descansava. Quando descansou de vez, em 1992, deixou aos filhos um legado incalculável. Apesar de a obra estar entregue a instituições nacionais, ainda há documentos, livros, cartas, revistas e fotografias de Fernando Pessoa que estão em poder dos seus herdeiros, e que irão, ainda este ano, a leilão na Galeria pela P4 Photography. Não faltarão interessados. 'O ideal seria a aquisição vir da Biblioteca Nacional, entidade que também detém espólio do meu tio'. Mais do que ideal, será um dever.
Miriam Assor
Ao morrer pediu os óculos. Não que pretendesse fintar a escuridão da agonia. Quis escrever. 'I know not what tomorrow will bring' [Não sei o que o futuro me trará]. Quando o Poeta nasceu, o céu dera-lhe o clarão do astro-rei na posição dos génios; Sol em Gémeos. Fernando António Nogueira Pessoa, geminiano, ascendente Escorpião, viu o Mundo às 15h20 de 13 de Junho de 1888, no quarto andar esquerdo da porta 4 do largo de São Carlos, Lisboa. Se o corpo fosse eterno como a sua obra, faria 120 anos no dia de Santo António, cuja especialidade é a de abençoar casamentos. A lenda com o fundador da revista ‘Orpheu’ não fez efeito. Nunca casou. 'Ele não queria, ao contrário da minha tia, que desejou bastante que tal acontecesse'. Graça Queiroz, 64 anos, secretária do presidente do INATEL, não esquece os suspiros da sua tia-avó, Ofélia, a senhora com quem Fernando Pessoa manteve, ao que se sabe, o único romance. 'A minha tia sempre me disse que tinha vivido um grande amor, e sentia um grande desgosto pela sua morte ter sido tão prematura'.
A amada faleceu em 1991, sem descendentes, num lar, viúva de um matrimónio onde a chama do amor nunca acendeu. Casara em 1938, três anos após a morte do seu mais que tudo, com Augusto Soares, figura do Teatro.
'Eu tinha treze anos quando a minha tia entregou-me uma caixa. Lá dentro estavam as cartas que o Fernando lhe enviara e recordações'. Em 1978, com o seu consentimento, Graça edita o que vive naquela caixa, pequena, que guarda afectos grandes. Missivas de amor. Amor adulto expresso em dialecto carinhoso pueril. 'Meu amorzinho, meu bebé querido, minha bonequinha, meu Íbis, meu ninho.' O Poeta mimava a namorada. Em diminutivos e com presentes. Um porta-retrato. A pulseira que, apesar de ter andado perdida, voltou ao destino. O cachimbo, mordido de tanta nicotina. A filha de Carlos Queiroz, grande amigo de Fernando Pessoa, recorda a senhora risonha, dotada de uma força de vontade admirável, uma mulher acelerada para a época. 'Mesmo contra a vontade da família ela decidiu procurar emprego'. Em boa hora. Foi no escritório Félix Valladas e Freitas, onde ambos trabalhavam, que a paixão irrompeu a 1 de Março de 1920. Ofélia tinha 19 anos e o Poeta, ciumento de franzir a testa a decotes, 31 anos. Namoravam às escondidas, já que nunca quis pedir autorização aos pais da jovem.
'Basta-me que eu te ame e que tu me ames. E não precisamos de nada mais'. Apenas precisava de descobrir o trajecto do eléctrico mais longo para que o idílio durasse mais tempo. 'O namoro intenso, de certa forma alegre, não foi apenas platónico.' Em um dos seus ataques de afecto ardente, Fernando Pessoa, na rua de São Bento, empurrou a sua querida para o vão de uma escada. Agarrou-a. Beijou-a. A 29 de Novembro desse ano chega a última carta. Deprimido, não consegue pensar numa existência a dois. Após nove anos, Carlos Queiroz mostrou à sobrinha a fotografia de Fernando Pessoa a beber no Abel Pereira da Fonseca. Ofélia achou piada. Pediu ao tio para que lhe arranjasse uma foto. O recado foi dado e Pessoa enviou-lhe uma igual com a célebre dedicatória: 'Fernando Pessoa em flagrante delitro.' O namoro reatou. 'Havia ocasiões em que Fernando Pessoa dizia-lhe que quem ali estava não era ele, mas um de os seus heterónimos'. Ofélia gostava de todos, menos de Álvaro Campos.
Previsão certeira. O poema 'Todas as Cartas de Amor são Ridículas', de Outubro de 1935, é da sua autoria. Muito antes, em 1930, o Poeta avisara-a que por ele esperavam outros mestres. Dá-se a separação, mas, Graça realça 'os dois sempre mantiveram contacto. Inclusive, tenho o telegrama de parabéns que enviou à minha tia no ano em que faleceu'. A coincidência da data em que viram a luz da vida é curiosa. Ofélia nasceu no dia a seguir ao amado, a 14 de Junho de 1900.
O ano de nascimento de Manuela Nogueira, filha de Henriqueta Madalena, irmã de Fernando Pessoa, é marcado por tragédias. Em 1925 morre a mãe do Poeta, a sobrinha e outros familiares. 'Em consequência de tantas mortes, fui com os meus pais viver para a casa do meu tio Fernando.' Na rua Coelho da Rocha, número 16, em Campo de Ourique. As lembranças que a escritora e discípula do mestre Lima de Freitas guarda do tio são espontâneas: 'Ele era uma pessoa muito divertida. Tinha um sentido de humor formidável'. À hora do almoço, Manuela ia à janela esperar que o tio chegasse. Quando ele aparecia, o ritual não falhava. Cumprimentava o candeeiro. Dava passos largos. Fingia tropeçar. 'A minha mãe ralhava-lhe. Advertia-o que as pessoas iriam pensar que ele endoidecera'. Não se importava. Ainda agravava a fama ao simular quedas pelas escadas. Passaram muitas décadas, mas a memória não apaga. Livros. Papéis. Inundavam a casa de jantar. O tio a ler. A escrever. No quarto. A arca onde os versos iam cabendo. Um passeio à Baixa lisboeta e uma ida à praia de São João do Estoril. 'O meu tio ficou vestido de fato e não descalçou os sapatos'. O único calçado na areia era o seu tio. Querido. Mentor de brincadeiras que ainda hoje sente o gosto. 'Pedia-me para eu lhe arranjar as unhas e lhe fazer a barba'. Em troca, o tio dava duas moedas, as suficientes para que a sobrinha fosse a correr comprar uma barra de chocolate. 'Ele adorava crianças!'
A notícia da morte chegou como uma bala seca no peito. 'Estranhámos que no dia do aniversário da minha mãe ele não tivesse aparecido na nossa casa de São João do Estoril'. O telegrama de parabéns recebido a 27 de Novembro não sossegou a irmã do Poeta. Para agravar a aflição, na véspera, o País tinha sido abalado por um ciclone que avariou as linhas telefónicas. Perante tal desespero 'o meu pai decidiu ir à procura do meu tio e foi para Lisboa'. Chegado à rua Coelho da Rocha, os vizinhos, familiares de Jorge de Sena, contaram-lhe que Fernando Pessoa se encontrava internado. As pernas do oficial do exército voaram até ao Hospital de São Luís. Depois de o ver ficou tranquilo. O cunhado aparentava sofrer de uma mal-estar fugaz. Manuela não se lembra de que maneira soube que o Fernando Pessoa já era cadáver, mas tem presente a tristeza que trouxe esse dia 30 de Novembro de 1935. Ainda hoje, com 83 anos, ao falar da perda do seu tio, nosso Poeta, os seus olhos alargam de emoção. Na sua sala só falta que ele entre e diga que os mortos sabem regressar. Retratos. Livros. Manuscritos. Objectos pessoais. Encarnam a sua presença.
Fernando Pessoa morreu de colite hepática no Hospital de São Luís, em Lisboa, a mesma unidade hospitalar onde Luís Miguel Rosa Dias, seu sobrinho e irmão de Manuela, exerce medicina. 'Lembro-me de algumas coisas, mas o que tenho mais em mente é de o meu tio ser uma pessoa divertidíssima'. Luís era uma criança. Pequena. Nascera a 1931. As imagens são escassas. Mas um tio da casta de Pessoa é capaz de desafiar o divã de um psicanalista. Entre meia dúzia de episódios, como o de receber presentes ao almoço, há um inesquecível. Despertara-lhe a atenção um garrafão de vinho e, por mera gulodice, cumpriu a curiosidade: 'Destapei-o e lambi a rolha'. O tio, de imediato, reagiu à sua cara de satisfação: 'Temos homem!' Nas fotografias, é verdade, mostra um ar sério, muito sério, carregado para a idade, mas Fernando Pessoa, grande, enorme, poeta, ensaísta, escritor, pensador, espiritual, um ser com várias vidas, era, garante Luís, uma criatura com magnificente sentido de humor. Em 1988, quando os seus restos mortais foram transladados do cemitério dos Prazeres para o Mosteiro dos Jerónimos, foi Luís quem representou a família no momento da urna ser retirada do jazigo. Contrariando uma notícia anunciada na altura, em que se mexericava que o corpo de Fernando Pessoa permanecia intacto, fica o testemunho: 'Eu estava presente com o elemento da agência funerária, e posso afirmar que o caixão não chegou a ser aberto'. Não se pode adivinhar qual teria sido a escolha de Fernando Pessoa, se o próprio pudesse eleger a sua morada final. Certamente o lugar onde repousa o corpo não seria a sua prioridade.
O corpo era, é o adorno da alma. O Estado Português quis enobrecê-lo e colocou-o a lado de Luís Vaz de Camões. 'É uma pena que Portugal só honre os mortos. É preciso morrer para se ter o devido valor.' Em vida, Fernando Pessoa, à parte de ter sido publicado em jornais e revistas, apenas viu editado, em 1934, 'Mensagem' e as colectâneas de poemas ingleses. Ainda o choque da sua perda estava quente nos corações dos familiares e amigos, Luís não esquece a promessa da sua mãe: enquanto a obra de um dos maiores poetas da Língua Portuguesa não obtivesse o mérito merecido, ela não descansava. Quando descansou de vez, em 1992, deixou aos filhos um legado incalculável. Apesar de a obra estar entregue a instituições nacionais, ainda há documentos, livros, cartas, revistas e fotografias de Fernando Pessoa que estão em poder dos seus herdeiros, e que irão, ainda este ano, a leilão na Galeria pela P4 Photography. Não faltarão interessados. 'O ideal seria a aquisição vir da Biblioteca Nacional, entidade que também detém espólio do meu tio'. Mais do que ideal, será um dever.
Miriam Assor
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